Evolução do XEF

Hoje contaremos a história do primeiro carrinho urbano idealizado, fabricado e posto à venda pela Gurgel, indústria automobilística com capital 100% brasileiro, à época sediada na cidade e Rio Claro, interior do Estado de São Paulo.
Desde sua época de estudante de engenharia, João Augusto Conrado do Amaral Gurgel acalentava a idéia de desenvolver um carro de pequenas dimensões, com tecnologia nacional, voltado ao público de baixa renda. Em meados dos anos 60, já formado, e com vasta experiência profissional adquirida no setor de engenharia da General Motors e da Ford, era sócio-
proprietário da Moplast, fabricante de luminosos, em São Paulo, capital. Na Moplast, Gurgel iniciou suas experiências com a linha de míni-carros Gurgel Júnior voltada ao público infantil.
Em 1964, Gurgel deixou a Moplast, mas deu continuidade à produção do Gurgel Júnior, bem como de karts, além de criar a Macan, uma concessionária Volkswagen. Também prosseguiu com seus estudos sobre carros populares, dos quais resultaram alguns protótipos de urbaninos, como o JAG e o Bastião (1966).
João Gurgel começou a despontar no cenário automobilístico nacional a partir de um pequeno modelo com cara de beach buggy, equipado com mecânica Volkswagen, que exposto no estande da multinacional alemã no Salão do Automóvel de 1966. O Gurgel 1200, com carroceria em plástico reforçado com fibra de vidro sobre uma plataforma de Fusca, fez tanto sucesso que na ocasião foram encomendadas 200 unidades. Mesmo assim, seus sócios na Macan não estavam dispostos a investir na construção seriada de automóveis. Gurgel deixou a concessionária e, mais tarde, fundou sua própria empresa, a Gurgel Indústria e Comércio de Veículos Ltda, em 1969.
A partir daí, Gurgel assumiu a produção do Gurgel 1200, agora chamado Ipanema, à razão de 4 unidades mensais. Gurgel observou que seu Ipanema era muito Assim, a robustez da mecânica Volkswagen unida às vantagens da estrutura em Plasteel deu à Gurgel a fama de construtor de utilitários para todo terreno, nicho de mercado ao qual a empresa passou a dedicar-se exclusivamente a partir do modelo Xavante XT, o primeiro de uma série de veículos robustos e valentes que fariam a fama da Gurgel em todo o mundo. Com a expansão dos negócios, em 1975 a Gurgel mudou-se de suas acanhadas instalações no bairro da Saúde em São Paulo para uma nova fábrica em Rio Claro, no interior do Estado.
Gurgel também realizou experiências com carros elétricos, como o Itaipu, de dois lugares, mostrado no Salão do Automóvel de 1974, e os utilitários E-400 produzidos e vendidos a órgãos governamentais no início dos anos 80.
Mas o sonho de construir um pequeno veículo de passageiros persistiu. No Salão de 1978 mostrou o GTA (Gran Turismo Articulado), com capacidade para 3 passageiros e porta-malas desacoplável, na verdade uma pequena carreta fechada atrelada ao veículo pelo sistema de 5ª roda. Apesar de sua versatilidade, o GTA não passou do estágio de protótipo.
No início dos anos 80, logo após a segunda crise do petróleo e durante uma grande recessão que se abateu no país, teve início o desenvolvimento de um novo carro urbano. Baseado em estudos que apontavam que a maioria dos veículos particulares circulando na cidade de São Paulo transportava uma média de 1,2 passageiros, Gurgel concebeu um pequeno sedã de 2 portas, com perfil 3 volumes, e capacidade para 3 passageiros. Lançou mão da mecânica Volkswagen, ou seja, motor traseiro refrigerado a ar e câmbio de 4 marchas, conjunto com o qual já estava acostumado a trabalhar desde os seus primeiros modelos de série. A estrutura monobloco da carroceria, como de se esperar, era feita pelo sistema Plasteel.
No Salão do Automóvel de 1981, foi apresentado o novo protótipo. Segundo conta a história, a filha de João Gurgel, Maria Cristina, chegou à sua residência dirigindo esse protótipo. Ao perguntarem de quem era o carro ela teria respondido: “É do Chefe!”, mostrando que se tratava de um carro projetado por seu pai. Assim, o novo urbanino de Gurgel recebeu o nome de Xef.
Mecanicamente, o protótipo do Xef fazia uso do motor de 1584 cm3 da Brasilia da Volkswagen, com dupla carburação e potência de 54 cv. Também da Brasilia vinham o sistema de freios (dianteiros a disco, traseiros a tambor) e as lanternas traseiras. A dianteira trazia conjunto óptico dianteiro (faróis e piscas) do Voyage, ladeando uma falsa grade dianteira em plástico preto. Rodas de liga leve calçavam pneus radiais.
O interior do Xef alojava uma única fileira de bancos, sendo um para o motorista e um mais largo para dois passageiros. O espaço para bagagem era limitado a um pequeno compartimento dianteiro, compartilhado com o estepe e o tanque de combustível de 40 litros, e algum espaço atrás dos bancos. O Xef tinha 312 cm de comprimento, e sua distância entre-eixos limitava-se a apenas 180 cm.
O carrinho não tinha a intenção de ser o mais barato do mercado. Com recursos financeiros e capacidade de produção limitados, qualidades inerentes das pequenas empresas de veículos especiais, o pequeno veículo estava longe de poder se oferecer como um carro popular. Gurgel concebeu seu Xef como um pequeno modelo de luxo, ágil e econômico, e ao mesmo tempo confortável e bem equipado, com estilo diferenciado que chamava a atenção. Enfim, o veículo ideal para os pequenos trajetos urbanos. Prestava-se também a viagens, desde que com pouca bagagem (Gurgel teria projetado um pequeno reboque a ser utilizado nessas ocasiões, mas não chegou a ofertá-lo aos consumidores).
Em 1983, Gurgel apresentou um segundo protótipo do Xef. Embora mantendo a mesma mecânica e dimensões, o novo Xef apresentou muitas alterações de estrutura e estilo: as portas ficaram maiores e houve menor avanço do pára-brisas (eliminando as janelinhas triangulares fixas junto às colunas “A”), o capô tornou-se mais longo, o vigia traseiro (intercambiável com o pára-brisa, ambos da Brasilia) ficou mais inclinado, a coluna “B” ganhou uma pequena janela redonda, com aparência de escotilha. O tanque de combustível passou a comportar 55 litros. O painel de instrumentos, redesenhado, incluía conta-giros, manômetro de óleo, vacuômetro e relógio de horas. A suspensão dianteira era típica Volkswagen, independente com barras de torção, amortecedores telescópicos e barra establizadora; a suspensão traseira era de projeto da própria Gurgel, sendo independente por molas helicoidais, barras tensoras longitudinais e amortecedores telescópicos. A caixa de 4 marchas e o diferencial tinham as relações do Fusca 1300. A esta altura, Gurgel já finalizava o Xef para produção e venda, estimando um volume de 100 unidades mensais.
Após 4 anos de projeto e testes, a versão final do Xef foi apresentada na Feira do Carro a Álcool realizada no Anhembi em novembro de 1983. Foi apresentado com o slogan “Um grande carro na medida certa!”
Em relação ao protótipo anterior, a carroceria ganhou mais algumas alterações, tais como a eliminação do kick up na linha de cintura, novos pára-choques com garras de borracha, grades de ventilação do motor ocultas numa continuação das lanternas traseiras e atrás da placa de licença, novas janelas laterais traseiras em substituição às escotilhas, capô, alojamento dos faróis, contorno das janelas e colunas das portas redesenhados, e quebra ventos do Fiat 147. No geral, o Xef agora apresentava um estilo mais elegante, sugerindo certa inspiração nos cobiçados modelos da Mercedes-Benz da época.
O tanque de combustível, em plástico especial, tinha agora capacidade de 48 litros. O Xef era ofertados nas versões à gasolina (carburação simples, 48 cv, ou carburação dupla, 53 cv), ou a álcool (carburação dupla, 56 cv), ambos de 1584 cm3
refrigerados a ar e fornecidos pela Volkswagen. Foram mantidos os pneus radiais montados em rodas de liga leve.
O interior tinha acabamento sóbrio, com piso forrado em carpete e bancos em tecido. Além do painel completo do segundo protótipo, a versão final contava ainda com vidros elétricos e rádio AM/FM com toca-fitas estéreo, encostos dos bancos reclináveis e com apoios de cabeça ajustáveis, desembaçador do vigia traseiro, hodômetro parcial e pintura metálica. Dada a sua durabilidade estrutural, o Xef recebeu garantia de 5 anos ou 100 mil Km contra corrosão. Outros defeitos, inclusive mecânicos, eram cobertos por uma garantia de 1 ano ou 30 mil Km.
Nos testes das revistas o Xef foi bastante apreciado por seu bom desempenho em circuitos urbanos, agilidade, manobrabilidade, robustez e visibilidade. Mas nem tudo era perfeito. O Xef tinha problemas de ergonomia, instabilidade em manobras bruscas e ausência de sistema de ventilação interna (previu-se a opção de ar condicionado, mas nunca foi efetivamente oferecido)
Faltavam também alguns mimos indispensáveis a um carro dito de luxo, tais como retrovisor externo do lado direito, espelho de cortesia no pára-sol, e melhor isolamento acústico. Some-se a isso o preço alto demais. Para efeito de comparação, no catálogo de veículos nacionais da revista Motor 3, lançado em dezembro de 1983, os preços de tabela estimados para janeiro de 1984 eram os seguintes:
Como se vê, apesar de sua exclusividade, o Xef era mais caro que modelos médios de luxo oferecidos pelas grandes montadoras. Apesar de suas qualidades, o preço tornou as estimativas de venda de até 100 unidades mensais por demasiado otimistas. As vendas ficaram bem aquém do esperado.
Mesmo assim, o modelo ’85 do Xef trouxe algumas novidades: nova “grade” incorporada ao capô, pára-choques pintados na cor da carroceria com borrachão central, opção de banco inteiriço, com a alavanca do freio de mão instalado embaixo do painel, novas molas e reposicionamento do amortecedor na suspensão traseira.
Mas o mercado não reagiu. O Xef foi descontinuado em meados de 1986, com um volume total estimado em apenas 120 unidades produzidas em 3 anos. O público-alvo não se deixou convencer pelas qualidades do Xef, e muito menos perdoar seus defeitos. E a Gurgel deixou o Xef de lado, dando prioridade a seu projeto CENA - Carro Econômico Nacional, que viria transformar-se nos BR-800, Moto Machine e Supermíni, estes sim definitivamente os modelos populares que João Gurgel sempre almejou, mas que acabaram por se tornar o golpe final em sua empresa. Mas isso é outra história...
Fotos:
(É só clicar na foto que ela abre no tamanho orignal)




Evolução, 1ª Fase e 2ª Fase



3ª Fase


Fonte:http://www.reumatismocarclub.com.br
"Baixinho Invocado: A História do Gurgel XEF"


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